outubro 15, 2004

Ouvindo Piano - agora Chopin

E Jaboatão dos Guararapes apareceu na mídia novamente...

... e não foi por causa de tubarão!!! Também por algum motivo bom é que não foi, infelizmente.

Pra quem não conhece, Jaboatão dos Guararapes é uma cidade com duas partes distintas: Jaboatão Centro fica a uns 30 km da orla marítima e é a origem de tudo - tem que pegar estrada para ir pra lá; Piedade, Candeias e Prazeres ficam na orla, sendo que Piedade e Candeias são a orla propriamente dita - classe média, média-alta e alta - e Prazeres fica mais para dentro um pouco, na BR - bem peba (pobrezinha para quem não sabe o que é isso). Piedade e Candeias são continuação para o Sul da Praia de Boa Viagem em Recife, só que num determinado ponto vira outro município. Aqui neste post dá para ver a divisa na orla.

Esta noite, mais uma tragédia não anunciada chacoalhou a comunidade daqui: o desabamento do Ed. Areia Branca. Fica difícil acreditar no que aconteceu, não houve nenhuma descarada falta de providência de nenhum órgão governamental como origem, pelo menos a princípio, nem nada de muito errado. Simplesmente aconteceu. Há dez dias atrás ninguém imaginaria isso. Não havia sinal aparente algum.

A primeira sensação que fica é a de que existem certas coisas que fazem parte de sua vida e que você nunca nota que existiam, até desaparecerem numa tragédia não anunciada. Durante anos passei diariamente em frente ao Ed. Areia Branca, era caminho obrigatório para sair de Candeias, mas eu nunca havia visto o Areia Branca. Ficou no subconsciente, pra vir à tona teve de desabar.

Sou Engenheiro Civil e desabamentos mexem comigo. Na raiz. Não aceito isso, luto contra essa idéia de todas as maneiras, é contrário ao meu ser. Eu construo, não destruo. Mas desabou.

Era um edifício de classe média alta, com 26 anos de habite-se, então a fundação deve ter entre 27 e 28 anos de execução. Apartamentos bons, daqueles de quatro dormitórios, pé direito alto, construção feita com coeficientes de segurança mais altos, coisa daquela época. Não se pode em absoluto pensar em falha construtiva pois um edifício que fica de pé por 26 anos não pode ser mal feito. Algo muito diferente aconteceu alí.

O mais diferente foi terem morrido algumas pessoas. A classe alta ganhou dinheiro com a construção; a média alta ganhou conforto por 26 anos e agora um belo prejuízo financeiro - mas isso se recupera; a classe baixa perdeu a vida - isso não se recupera. Até o momento em que escrevo aqui só foi achado o corpo do porteiro do edifício, e parece que mais três pessoas que lá estavam não conseguiram fugir à tempo e não foram ainda encontradas. Um dos que conseguiu correr está tentando uma UTI pois na fuga foi atropelado - a avenida é movimentada e fica na orla - e por motivo de abandono do sistema de saúde até agora não conseguiu vaga em UTI - escapa do desabamento e corre o risco de morrer por falta de atendimento. O pior sobra para os pobres. Não estou simplesmente criticando, nem assimilei os fatos ainda, só estou constatando.

Dudu, meu filho, tem um amigo que morava neste prédio e junto com mais alguns amigos estavam passando o feriadão em Porto de Galinhas - eles alugaram uma casa e estavam se divertindo antes de começar o semestre na UFPE. O garoto recebeu um telefonema dos pais no domingo contando o que estava acontecendo, e na terça-feira quando voltaram ele já voltou para a casa de parentes, na quinta à noite o prédio desabou.

Dá para acreditar num negócio desses? Pode acontecer com qualquer um. Poderia ter sido pior se os próprios moradores não fossem de classe mais alta e não tivessem para onde ir. Todos, precavidos, se mandaram por conta própria - não houve a tão alegada evacuação pela Defesa Civil, saíram por decisão própria. O pai do amigo de Dudu queria ficar dormindo no apartamento para guardar as coisas mas a mulher dele não deixou. Tá vendo como mulheres são importantes e homens são mais bestas?

Não se sabe o que aconteceu, mas não foi uma coisa gradativa, anunciada. Foi de repente, levou no máximo 10 dias para ser notada e se concretizar. Preliminarmente acredito em algum problema relativo a alteração das condições de subsolo, localizadas, puntuais, por agentes externos e infelizmente concentradas em pontos críticos da estrutura do prédio, na fundação dos pilares centrais de sustentação. Se foi isso, tem de analisar a fundação de todos os prédios de Piedade e Candeias.

Uma tragédia. Justifica-se a perda destas vidas humanas? Será mesmo que não havia indício algum deste final? Será que as pessoas que analisaram a estrutura tinham conhecimento técnico suficiente para essa análise? Será que pára por aí? Só perguntas...

Não fui lá ver. Não gosto disso, mas dói aqui dentro por vários motivos.

Nenhum comentário: